O “Agosto Dourado” é o mês de conscientização para o aleitamento materno no Brasil. Amamentar é um direito garantido à mãe e ao bebê e previsto em várias legislações, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) . A Defensoria Pública do Pará atua para que este direito seja respeitado em todos os contextos, principalmente naqueles de maior vulnerabilidade. Dentro dessa realidade, está o atendimento realizado às mães lactantes que vivem nas Unidades de Custódia e Reinserção Femininino de Ananindeua do Estado do Pará.
“No momento em que passam do portão para fora, as pessoas esquecem que existe uma mãe com uma criança aqui”. As palavras são de A. G., 31 anos, mãe de B. E.G., de 8 meses. Os dois vivem, atualmente, na Unidade Materno-Infantil (UMI) da Unidade de Custódia e Reinserção Feminina (UCRF) em Ananindeua, onde A. G. cumpre pena desde janeiro deste ano. Além dela, outra custodiada, S. R. S., 19 anos, reside na UMI juntamente com a filha, S. V. R. S., de dois meses. O espaço, atualmente, é ocupado por 7 mulheres, sendo que as outras cinco estão grávidas.
A cada três meses, a defensora pública Anna Izabel Sabbag visita a Unidade Materno-Infantil. Lá, ela atualiza as custodiadas sobre o andamento dos processos e faz a representação legal daquelas que não possuem advogado particular. Além disso, uma equipe multidisciplinar preparada pela Defensoria acompanha as necessidades das mães e dos bebês durante a custódia, que vão desde materiais de higiene até a busca por melhorias no serviço prestado pela Secretaria de Estado de Administração Penintenciária (SEAP).
Atualmente, existem 3 UMIs no estado do Pará. As outras duas estão nos municípios de Santarém e Marabá. Nelas, as mães podem permanecer com os bebês pelo tempo de um ano prorrogável por mais um. Mas nem sempre foi assim. Até 2020, este tempo era de, no máximo, 6 meses e o processo de preparação para o desmame era iniciado aos 4 meses de vida da criança. Foi apenas em maio de 2021, com a publicação da Portaria nº 498, da SEAP, que esta realidade mudou.
“O entendimento da Organização Mundial da Saúde é que o prazo mínimo para a amamentação da criança é de dois anos. Tal orientação não era cumprida, o que motivou o desligamento de um dos bebês em 2020 que ainda amamentava [...]. Com as negativas de liberdade da mãe pelo judiciário e de permanência do bebê pela SEAP, a Defensoria Pública, pelo Grupo de Trabalho de Litígio Estratégico Internacional, de que faço parte, ingressou com medida cautelar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos”, explica a defensora Anna Izabel.
A partir da medida cautelar da Defensoria, foi suscitado o diálogo com o Estado e a elaboração da portaria que, hoje, regulamenta o ingresso, a permanência e o desligamento das crianças na UMI. “Foi uma importante vitória para todos: para os bebês e suas mães, para a Defensoria e para o próprio Governo do Estado que modificou o entendimento”, expressa a defensora.
Direito à amamentação
Quando A. G. ingressou na UCRF de Ananindeua, o filho, B. E. G., estava com dois meses de idade. Desde então, ambos residem na Unidade Materno-Infantil. O bebê se desenvolve bem e mama constantemente. A mãe se sente satisfeita em tê-lo por perto e poder realizar o processo de amamentação. “Uma das experiências mais maravilhosas que tem é a parte da amamentação, em que a gente sente o bebê mais colado na gente com o olhar”, afirma.
Além de proporcionar a elaboração do vínculo afetivo entre mãe e bebê, o aleitamento materno é fundamental para a criança dos pontos de vista nutricional, imunológico, metabólico, ortodôntico, fonoaudiológico e social. A Organização Mundial da Saúde recomenda que os bebês sejam amamentados até, pelo menos, os dois anos de idade, sendo que até os seis meses a alimentação deve ser exclusiva com leite materno.
A.G. relata que, nas suas experiências anteriores com a amamentação, não pôde cumprir essa orientação devido à introdução precoce de alimentos sólidos, já que precisava sair para trabalhar. Desta vez, ela consegue amamentar mais vezes ao dia.
Além de B. E. G., A.G. é mãe de outras quatro crianças. Nesse sentido, ela está dentro do perfil nacional de mães em situação de privação de liberdade, que são geralmente multíparas (ou seja, com mais de um filho). Além dessa característica, o perfil compreende mulheres pretas, em idade de ter outros filhos, com baixa renda e baixa escolaridade, sendo que pelo menos 80% delas foram presas pelo envolvimento com o tráfico de drogas.
As informações são ofertadas pela professora Celina Magalhães, da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará. Em 2014, ela deu início ao projeto “Amamentação no cárcere: possibilidades e desafios para mães e bebês”. Há dez anos, a professora visita a UMI em Ananindeua ao menos uma vez por semana. Por meio de doações arrecadadas pelo projeto, foi equipada a brinquedoteca, o principal espaço de recreação da Unidade.
Pelo projeto, as custodiadas também recebem orientação sobre a amamentação. “Nós tentamos trazer, pelo menos duas vezes por mês, palestras, filmes, e já trouxemos profissionais da área da saúde que enfatizam quais são os benefícios da amamentação não só para o bebê, mas pra elas também”. A professora explica que um dos benefícios para a mãe é a reorganização do nível hormonal proporcionado pela amamentação.
O projeto também verificou um alto nível de estresse entre as mães custodiadas na UMI. Por meio de uma aferição feita em 2024, foi constatado que 80% das mulheres apresentam índice alto de ansiedade e depressão.
S. R. S., mãe de S. V. R. S., de 2 meses, está sob custódia há oito meses. Ela conta que toda a experiência do parto e pós-parto foi muito estressante, especialmente porque se trata da sua primeira filha. Ainda assim, para ela, o momento de amamentar é uma experiência gratificante. “Amamentar é um momento maravilhoso para mim, ainda mais que ela é minha primeira filha, é uma coisa inexplicável”, relata.
Abandono familiar
S. R. S. é mãe solo e morava com a mãe e o irmão em São Caetano de Odivelas, no nordeste paraense. A distância do município de origem em relação à Região Metropolitana de Belém, associada à baixa renda familiar e ao baixo grau de escolaridade da mãe tornam difíceis as visitas à UMI. Isso faz com que o apoio recebido internamente entre as custodiadas seja ainda mais importante. “Aqui que tive ajuda das meninas. Elas me ajudam bastante. Quando a gente está triste, a gente reanima uma à outra”, conta S. R. S..
A defensora Anna Izabel explica que muitas das mulheres encarceradas vivenciam uma situação de abandono pela comunidade externa: “O que ocorre é que a maioria dessas mulheres que estão presas são o esteio familiar e mãe solo. Quando presas, os filhos ficam com as avós maternas, tias, amigas, que precisam optar entre sustentar a criança ou ir visitar a presa”.
Ela informa que, quase sempre, a escolha acaba sendo feita pela criança, que já está vulnerável sem a mãe. “Durante esse ano de 2024, inclusive, recebi apenas um familiar de mulher presa”, conta a defensora.
Quando se trata de mães com bebês, a realidade é ainda mais complexa, devido ao delicado momento físico e emocional. Há ainda a preocupação das mães com o estigma que a situação de privação de liberdade vivenciada por elas possa trazer para os filhos. “A gente quer que todos os outros também vejam nossos filhos como uma criança e não como um nada. Ele não tem culpa do que eu fiz”, expressa a custodiada A. G..
Esse sentimento faz com que algumas mães, quando recebem a notícia de que alcançarão a liberdade antes que os filhos completem dois anos, prefiram entregá-los aos familiares antes do prazo. Um dos esforços da Defensoria é justamente conseguir a soltura das custodiadas com bebês.
“Sempre que realizamos esse atendimento concentrado na UMI conseguimos a soltura de muitas delas, quando negado, pelo menos, elas sabem que existe alguém por elas, trabalhando no processo delas e dando ciência sobre o andamento. No último GT Mulheres Livres, conseguimos reduzir a população carcerária na UCRF em Ananindeua em mais de 60%. Fico muito feliz por isso e ansiosa para desenvolver o projeto novamente”, finaliza a defensora Anna Izabel.
A professora Celina enfatiza que, mesmo com todas as adversidades do sistema carcerário, a permanência do bebê com a mãe nessa primeira fase da vida é essencial. “Nós trabalhamos com uma teoria, que é a teoria do apego, do John Bowlby, e ela enfatiza que os primeiros três anos de vida são decisivos pro estabelecimento de vinculações entre criança e seu cuidador principal”, afirma. É importante que a criança fique com a mãe para a construção desses vínculos.
“Você pode perguntar: mas depois ele não vai separar? Vai, mas é mais fácil ele ter tido a experiência de construir um vínculo com um cuidador principal do que ele nunca ter tido essa possibilidade”, finaliza a professora.
A custodiada A. G. admite que, com todas as dificuldades vivenciadas, às vezes sente a vontade de entregar a criança antes do prazo. No entanto, ao mesmo tempo, olhar para o filho a recorda da possibilidade de um novo recomeço. “Um filho é como se fosse um novo recomeço. As mulheres carregam uma esperança dentro delas”, afirma.
Sobre a Defensoria Pública do Pará
A Defensoria Pública é uma instituição constitucionalmente destinada a garantir assistência jurídica integral, gratuita, judicial e extrajudicial, aos legalmente necessitados, prestando-lhes a orientação e a defesa em todos os graus e instâncias, de modo coletivo ou individual, priorizando a conciliação e a promoção dos direitos humanos e cidadania.
Texto: Juliana Maués